Correndo é o que estou fazendo, meu rosto molhado, meu coração surpreso quase saltando pelo peito, meus lábios fechados numa linha reta, tudo que penso é ir o mais longe possível do mundo, não sei para onde estou indo, tenho que honrar o que é meu por direito, meus pés descalços apenas me guiam, em minhas veias secas pelo medo, pulsa apenas a adrenalina, e então o cheiro, familiar e saboroso, minhas narinas dilatadas seguiram ele tentadoramente, minha mente está desligada de modo que não o reconheço, minha visão embaçada, tudo o que me guia é o cheiro, ouço o barulho, paro e me debruço no chão, passos, eram passos, meu coração já dilacerado sentiu uma pontada, mas não posso deixar de me conscientizar de uma coisa: eu não tenho coração. Tenho tanto medo, que às vezes me paralisa, me faz querer ser uma garotinha, apenas correr pelo campo, abraçada aos livros velhos que cheiram a naftalina, enquanto descanso em uma velha árvore, onde costumava ir com meu irmão. O barulho novamente desconcentra minha mente, me fazendo voltar à realidade, meu instinto fez meu corpo virar rapidamente, antes que fosse acertada na nuca com uma espada grosseira, olhei nos olhos de meu inimigo, era uma expressão traiçoeira, um ser repugnante que nem de longe era confiável, olhos cinza, cabelos negros curtos, vestido inteiramente de preto, e uma cicatriz vulgar entre o lábio inferior e o queixo, mas belo, muito belo, ele sorriu, falando:
-Pensei que estivesse morta.
-Pelo que vê, não estou nem um pouco morta, mas pelo que me parece o senhor bem que tentou não? –ele me observou calmamente, calculando cada passo meu, esperando o momento certo.
-Tento ser o mais justo possível pelas redondezas, quando vejo um ser como tu, atraente e selvagem sei que não devo confiar, tem homens na aldeia que se enfeitiçam e nunca mais voltam da realidade. E se eu quisesse matá-la, já teria feito há alguns segundos!
-Não me importo com sua aldeia meu caro, quem és tu?
-Me chame de Louis, doce Fenny, eu percebo que não se importa nem com a própria morte, sabe que o território da Linha do Tempo é perigoso, ou és tão atrevida que seu rosto sempre colado nos livros, a deixaram atormentada?
-O que eu sou ou deixo de ser interfere apenas na morte de seres nojentos, agora me deixe partir, sabes que ficar com uma espada com um olhar determinado não chegaremos a lugar algum.
-Não esta no seu tempo de partir, eu não posso deixá-la seguir, nem que eu quisesse.
-Quem disse tal bobagem, tenho pressa, agora abaixe logo isso.
-Eu disse não, agora volte de onde veio, ou acomode-se na aldeia.
-Eu não estou pedindo mais, agora vou impor as minhas regras, é bom sair ou morrerá!
-Tais palavras não me assustam, pouco efeito faz em minha mente já decidida.
-Como se atreve? Quem és tu para falar assim comigo?
-Sou aquele da passagem, me conhece por ceifeiro de homens, por dedos de fumaça, ou até mesmo olhos de fogo, garota vá embora logo, minha paciência é curta para menininhas mimadas.
-Ora pelos deuses o que estais falando? Acha mesmo que eu não lhe observei o suficiente? Sei quem és tu, há muito tempo lhe encontrei na estrada, foste tu quem matou meu irmão, por causa de uma mulher com quem George iria se casar, porque acha que lhe olho com tanto nojo?
-Como? És irmã de George? Eu não fazia ideia de que tu estavas junto naquela noite, Melisse não amava teu irmão, fiz apenas um favor a ela.
-Como podes seres tão sarcástico? Um favor? George não merecia morrer daquele modo, Melisse podia não amá-lo, mais não tinha direito algum de interferir no destino de meu falecido irmão. Naquela noite não matou apenas George, pois uma parte de meu coração meu doce irmão levou consigo, e a outra parte esta contigo, agora me deixe partir. –eu exasperada, lágrimas rolaram por meu rosto, molhando meus cabelos longos.
-Do que se refere? Como posso roubar uma coisa de alguém que eu nem sabia que estava presente naquela noite?
-Estava tudo tão calmo, quando escutamos o barulho do cocheiro caindo para fora, meu irmão foi ver o que era beijando minha testa, quando saiu da carruagem, tu estavas lá, lindo sobre a noite, eu apenas observava meu irmão corajoso rindo de tuas palavras quando tu o queimou vivo, o fogo saiu de tuas mãos, indo diretamente para o peito de George, eu senti o fogo arder em mim, quando a lua iluminou teu rosto meu coração bateu mais forte, fazendo minha boca umedecer, e meu corpo continuar a arder em chamas, tu roubastes meu coração, e matas-te meu irmão, tu devias pagar muito caro, mas a única coisa que lhe cobro, é que me deixeis partir. – ele se aproximou, tocou meu rosto pálido, olhou em meus olhos violetas, e disse:
-Não posso, perdoe-me, és uma coisa que fiz no passado, sei até onde quer ir, não posso deixá-la seguir, eu prometi.
-Do que falais? Eu preciso assumir o poder, meu reino precisa de mim.
-Perdoe-me, eu prometi, se insiste, vou ter que matá-la.
-Seu idiota, como ousa... –ele enfiou a espada em meu coração, fazendo sangrar, eu olhei em seus olhos, saiam lágrimas peroladas, ele sussurrou:
-Calma, vai passar, eu irei atrás de ti, se acalme, vai passar. –quando meus soluços cessaram encontrei uma sensação de paz,senti a mão quente de George cobrir meus ombros me abraçar, me beijando.
-Até que enfim irmã, estas comigo novamente, não sabeis o quanto a sua falta deixou meu peito angustiado, mas agora ele está preenchido novamente. –do outro lado da realidade, Louis segurava meu corpo gelado:
-Pronto George, fiz o que lhe prometi, fiz o que queria, seu último sussurro que o fogo me trouxe.